A trajetória de Sílvio Pléticos na Galeria de Arte da UFSC
Uma exposição em homenagem ao artista
A Galeria de Arte da UFSC, vinculada ao Departamento Artístico Cultural (DAC-SECARTE), traz para o campus a exposição “Trajetória Artística de Sílvio Pléticos”, que reúne parte do acervo de um dos mais importantes e internacionalmente reconhecidos artistas plásticos de Santa Catarina. A abertura, com a presença do artista, será no dia 30 de outubro (quinta-feira) às 15h, na Galeria de Arte, com entrada gratuita. O período de visitação vai de 31 de outubro a 28 de novembro, de segunda a sexta, das 10h às 18h30.
A exposição é uma homenagem ao artista que foi convidado para realizar essa mostra individual, em que serão apresentados cerca de 40 trabalhos, dentre eles, sete esculturas em gesso ou resina patinada e cerca de 30 pinturas, com dimensões que variam dos 40cm a mais de dois metros de comprimento. Há trabalhos de várias épocas, sendo alguns deles produzidos especialmente para essa mostra.
Sílvio Pléticos, desenhista, pintor e professor de arte, veio da região dos Bálcãs (sudeste europeu), e tem residência fixa em Florianópolis desde 1967, tendo passado por Ribeirão Preto (SP), Porto Alegre e Passo Fundo (RS). Praticante de uma arte inclassificável, que consegue reunir e reinventar movimentos vanguardistas como o cubismo, expressionismo e surrealismo como base para uma nova forma de pintura, Pléticos ainda dedica um diálogo exclusivo com o público da comunidade universitária. No dia 12 de novembro, às 15h, ocorre o “Encontro com o Artista”, no auditório do Centro de Convivência da UFSC, também aberto e gratuito para todos os interessados em ouvir e questionar a trajetória de Sílvio Pléticos.
O Artista
Sílvio Pléticos é artista plástico e professor reconhecido mundo afora pelo seu trabalho. Nasceu em 1924 na então italiana cidade de Pula, atualmente pertencente ao território croata. Ainda jovem, ao encontrar um pedaço de vidro no chão, compôs sua primeira obra com folhas secas, uma asa de borboleta e um pedaço de papel de chocolate. Ao colocar outro vidro por cima, afirmou: “Eu fiz um quadro”, fato que marcou o início de uma trajetória promissora, porém com muitos empecilhos.
Órfão, o artista morou por seis anos em um orfanato, e passou por várias profissões manuais, como sapateiro, marceneiro, ferreiro, confeiteiro, pedreiro, entre outras. A partir de 1939, iniciou seus estudos em Milão, na Itália. Tendo vivido o contexto da Segunda Guerra Mundial, – o artista inclusive foi recrutado como soldado -, e com origem em uma região da Europa marcada por diversos conflitos étnicos e separatistas, Sílvio Pléticos assimilou, na guerra, uma sensibilidade artística que marcaria toda a sua obra. A primeira mostra foi em 1945, ao final da Segunda Guerra e a pedido do comandante, para aproveitar o “clima de alegria e reestruturação social”.
Posteriormente, durante um emprego como ajudante de pedreiro, conheceu autoridades que o ajudaram a ingressar na Escola de Arte Aplicada de Zagreb (capital da Croácia) como ex-combatente, em 1947. Lá estudou até 1954, e especializou-se em pintura mural. Em 1961, casado e já exercendo o ofício de professor de arte, veio para o Brasil.
Pléticos, hoje com 84 anos, interessa-se pela arte não somente pelo valor estético, mas também pelo seu respaldo social. Um dos principais elementos de sua obra é a figura do peixe, que representa a fartura, pela época em que o alimento era escasso para o artista. Sua trajetória profissional pode ser assim descrita:
1952 - Primeira exposição: uma coletiva em Pula.
1954/59 - Professor de desenho e pintura nas escolas de Vondnjan, Fazana e Jursici - Iugoslávia.
1961/66 - Catedrático de desenho e pintura na Faculdade de Artes Plásticas de Ribeirão Preto, São Paulo (SP) - Brasil.
1967 - Professor de desenho e pintura na Escola de Arte de Passo Fundo (RS).
1968/72 - Responsável pelos cursos de desenho e pintura do Museu de Arte de Santa Catarina.
1972 - 1°Prêmio "Salão Sesquicentenário da Independência", Florianópolis (SC). 1°Prêmio "salão SAPISC", Florianópolis (SC). Bienal Nacional, São Paulo.
1975 - 1°Prêmio - "Salão Istria Nobilíssima", Trieste - Itália.
1976 - Individual "Galeria ARS Artis", Florianópolis (SC). Catarinenses na "Maison de France", Rio de Janeiro. Bienal Nacional, São Paulo.
1977 - IV Bienal de Artes Visuais, Porto Alegre (RS).
1978 - "Palazzo Constanzi", Trieste - Itália. Individual Galeria "Victor Meirelles", Florianópolis (SC).
1979 - Coletiva "Villa Manin de Passariano", Udine - Itália.
1980 - Individual "Galeria Verde Vale", Itajaí (SC). Casa de Cultura, Florianópolis (SC). "Sete Grandes Nomes da Pintura Brasileira", Florianópolis (SC).
1981 - "Hours Concours", Coletiva Pan´Arte, Florianópolis (SC). III Mostra de Desenho Brasileiro (convidado), Curitiba (PR). Galeria Açu-Açu, Blumenau (SC), individual "Stúdio de Artes", Florianópolis (SC).
1982 - Individual "Max Stolz Galerie", Florianópolis (SC).
1983 - "A Ilha Revisitada", Museu de Arte de Santa Catarina.
1984 - Panorama Catarinense de Arte Pintura 84 (itinerante).
1985 - Exposição Arte na Primavera, Shopping Center Itaguaçu, Florianópolis (SC).
1986 - Individual Galeria Espaço de Arte, Florianópolis (SC). Individual no Teatro Carlos Gomes, Blumenau. 25 anos de Brasil, Museu de Arte de Santa Catarina.
1994 - Espaço Cultural Fernando Becker - BADESC, Florianópolis (SC).
1995 - Individual Espaço de Arte Açu-Açu.
1996 - Coletiva "A Ilha em Buenos Aires", Argentina.
A partir de 1996 Pléticos continua com suas atividades: mostras coletivas e individuais, palestras, cursos, membro de júris de seleção e premiações em diversas cidades do país, porém não registra mais essas passagens profissionais. No Salão Nacional Victor Meirelles (2003), o Museu o agraciou com uma retrospectiva de 25 anos.
2008 - Exposição de pinturas com Albernaz e Pimenta, na Helena Fretta Galeria de Arte, Florianópolis, SC: de 24/06 a 05/07/2008. Ano de comemoração dos 20 anos de criação da Galeria.
Instituto Sílvio Pléticos
Em homenagem simbólica ao artista, foi fundado em São Pedro de Alcântara, município próximo a Florianópolis, em 19 de julho de 2004, o Instituto Sílvio Pléticos que tem caráter representativo, educativo e beneficiente, com personalidade jurídica própria e sem fins lucrativos, políticos ou religiosos. Foi criado para desenvolver ações cidadãs nas áreas artístico-cultural, educacional, turística, ecológica e de assistência social. Foi escolhido o nome de Sílvio Pléticos por ser este um cidadão conceituado em São Pedro de Alcântara e um grande Artista Plástico de renome Internacional.
A Galeria de Arte da UFSC faz parte do Departamento Artístico Cultural - DAC, vinculado à Secretaria de Cultura e Arte da Universidade Federal de Santa Catarina.
SERVIÇO:
O QUE: Exposição “Trajetória Artística de Sílvio Pléticos”, com pinturas e esculturas do artista
ONDE: Galeria de Arte da UFSC, prédio do Centro de Convivência
QUANDO: Abertura, com a presença do artista, dia 30 de outubro de 2008, quinta-feira, às 15 horas. Projeto “Encontro com o Artista”, dia 12 de novembro, quarta-feira, às 15 horas. Visitação: até 28 de novembro, de segunda a sexta-feira, das 10 às 18h30.
QUANTO: Gratuito e aberto à comunidade
CONTATO: www.dac.ufsc.br - Galeria: (48) 3721-9683 ou galeriadearte@dac.ufsc.br
Fonte: Gustavo Bonfiglioli, acadêmico de jornalismo – Assessoria de Imprensa DAC-SECARTE-UFSC
Veja a seguir três textos sobre o artista:
Texto 1:
Silvio Pleticos por ele mesmo
Nunca interrompi o caminho que iniciei profissionalmente por volta dos vinte anos. A vida naquele tempo era outra; não tinha o avanço técnico e científico que existe hoje.
Passei pelo princípio acadêmico que tem como base a História da Arte. Dos estudos normais, que acho necessários ainda hoje, passei a vivenciar o processo criativo verdadeiro.
Sempre trabalhei com interesse na própria Arte e por muitos anos não pensei na possibilidade de lucro – em termos comerciais –, com as minhas obras.
Em função de ter vivido a experiência da Segunda Guerra Mundial, acabei por me desinteressar pelos bens materiais, buscava então uma razão de vida, que havia perdido completamente. Quem conhece o poder da Arte, entenderá logo qual o fator principal que pôde me reequilibrar e devolver o verdadeiro sentido do viver. A terapia através das atividades criativas, especialmente das Artes Plásticas (que é o meu caso), deve ter sido a razão principal que me manteve por toda a vida “amarrado”, quase que fanaticamente, a esta linda atividade.
Hoje, que o mundo tende a ser globalizado, deixando o homem neurótico e tremendamente estressado, é esse o remédio que eu sugeriria. Não importa a idade que se tem, é só criar amor à Arte e tentar fazê-la.
Que os governos tomem nota disso e favoreçam o cidadão, também nessa direção, criando possibilidades materiais dignas, a fim de ter gente feliz em todos os lugares e momentos da vida.
Pléticos
Texto 2:
Sílvio Pléticos [ por João Evangelista*]
Arte que se comporta como possibilidade de expansão do mundo interior e de alargamento da cultura, pela afirmação de valores que, no domínio da razão, venham a ser positivos; pela invenção intrépida de conceitos formais; pela atuação contínua do gesto criador: esta é a arte que define Sílvio Pléticos.
Ele trabalha inscrevendo seu fazer em um campo categorial, ainda que de modo não categórico, campo dialeticamente livre, e cujo sentido não se busca no senso comum, mas no incomum, virtualmente educativo. Trabalha por meio de um exercício que se qualifica pelo inesperado, e tem perceptível grau de significado comunitário; exercício que visa humanizar e aproximar os seres humanos, não importando que seja necessário apelar à recorrência de certos símbolos; exercício desejante cujo desejar visa a grandeza, não raras vezes trágica, do homem.
Se a ênfase se coloca na ampliação da cultura subjetiva, a materialidade se vê como meio nobre e nobilitante da vertência do pensamento e, nela, a intensidade do fluir, que ocorrem como celebração voltada para a comunhão da experiência e, sobretudo, do desígnio. A arte de Pléticos se mede pela escolha aprofundada da sinalética, pela expressão, pela tonicidade, pela eficácia do comunicar. Não se pensa dentro de si mesma; concede-se a uma exegese externa, com cujo distanciamento se evita a cilada da tautologia. Aguarda, com modéstia, a interpretação.
No trabalho de Pléticos o eu empírico se entende como sujeito de conquistas, e uma vez que a ordenação da arte se entende também como ordenação da vida, o estético e o ético convergem. Pondera-se o fenômeno não como sombra de um corpo etéreo; ao invés disso, ele testemunha itinerários mentais que não recusam nada do que é humano e se atualizou no mundo da vivência. Pessoal, mas antinarcisístico, esse trabalho produz um resultado palpável, ou melhor, visível, a ser sempre aperfeiçoado, mediante alquimia que se dedica a tirar de múltiplas teses a convincente síntese. Nele, portanto, a arte se propõe, antes de tudo, como lance criativo. O resultado se elabora pelo debate das formas, mas também pelo dos achados, das associações, do ordenamento de conjunto de signos que chegam ao homem e partem do homem; arte, pois, eminentemente construtiva e que por conta de que tudo é questão de homomeria, para usarmos o termo pré-socrático, reflete a fecunda impureza que vigora nos campos singulares da cultura.
A arte de Pléticos faz-se com presença e não com ausência. Carece de motivos para temer o vazio: os dramas e as resistências carecem de suporte, e nem sempre sabemos onde vão dar. Trata-se de um projeto plástico que substancia a procura de identidade, projeto que se caracteriza pela inventividade, pela positividade que procura recompor a fragmentação.
Seu trabalho foi curtido, ora no vinho, ora no vinagre; procurou temperar-se nas vicissitudes da história das coletividades, e nas próprias; volta-se à redenção. Pode ser entendido como trabalho de acese, de devoção (não por termos religiosos, de resto adequados à civilização tecnoespiritual de nossos dias), mas abre-se à Paideia.
A atuação de Pléticos se concebe na centralidade, na genealogia, e no entanto, se revela sempre atenta à promíscua alteridade; volta-se, paradoxalmente ou não, à pluralidade dos pontos de vista e se mostra cônscia da complexidade da história. Às vezes ela se torna mais dissociativa, às vezes mais combinatória. Sempre, contudo, disposta a não deixar de colher nenhum fragmento da história ou da vida, que possa lançar mais para a frente a mundividência. Não é pouco.
O Salão Nacional Victor Meirelles já homenageou João Henrique Schwanke e Eli Heil, artista pós moderno (sic) o primeiro, e “independente” a segunda; ambos decisivos para configuração do panorama artístico no Estado de Santa Catarina. Nesta oitava edição, o escolhido foi Sílvio Pléticos, que se formou no sistema operativo do modernismo e exerceu, durante mais de três décadas, trabalho educativo graças ao qual a arte catarinense, ou pelo menos a florianopolitana, a partir dos anos 80, pôde alcançar solidez de linguagens, que se firmaram para além do improviso, da gratuidade, da álea, do amadorismo. Atento a que não se congelasse aquela produção num contentamento com a mera plasticidade ou a redondez formal, Pléticos preparou, mediante o apuro da sensibilidade e o aprofundamento das questões, quase duas gerações para receberem o impacto da pós-modernidade. Ele as preparou para o encontro do cerne significativo de cada criador e para a liberdade dos problemas conceituais, variados e complexos, com os quais a consciência atual tem de defrontar-se, desvencilhada de modismos.
[*] FILHO, João Evangelista de Andrade. Arte no Museu – Cadernos do MASC II – (páginas 64,65). MASC. [ João Evangelista de Andrade Filho ex-diretor do Museu de Arte de Santa Catarina. Decano da Universidade de Brasília (aposentado), ex-professor de História da Arte, Filosofia, Estética e Biblioteconomia. Artista plástico, ensaísta, historiador, autor de vários livros sobre arte, arte popular, estética e ensaios vários. ]
Texto 3:
O Pintor Silvio Pléticos [ por Sergio Molesi*]
Quem escreve conheceu Silvio Pléticos, antes como artista e depois como homem e a impressão que recebeu vendo a obra dele foi confirmada ao conhecê-lo pessoalmente. Isto é bem significativo e confortador num mundo, como o de hoje, onde a alienação induz, com freqüência, a uma dicotomia entre ser e agir por excesso de intelectualidade ou, pior, por querer, insinceramente, estar na moda. Na obra de Pléticos, o personagem e o artista são um todo, entendendo a experiência estética e a cultura em geral, nem mais nem menos que um instrumento de compreensão crítica da experiência da vida e da realidade. E é por isso que o pintor e o homem expressam com naturalidade o mestre, não no sentido áulico, e em definitiva alienador, da maneira que era visto o artista romântico, projetado numa visão separada do mundo, mas na exceção educativa que encontra na experiência social da escola a sua correta dimensão. Silvio Pléticos é um homem que faz do mundo sua própria experiência e, como é artista, traduz esta experiência na pintura dele, mas, como também é educador, acaba sendo guia para uma visão mais lúcida do real, seja na obra dele ou no ensino. No fundo, os verdadeiros artistas, de ontem e de hoje, não fizeram mais do que isto: ver, trabalhar e conseqüentemente ensinar a ver. Falta averiguar quando esse trabalhar e ensinar a ver, tenha significado e mereça ser tomado em consideração. Desde sempre, além das incansáveis apreciações referentes à semelhança, ao agrado, à adesão aos conteúdos, falou-se em fantasia, poesia, expressão ou, como se costuma dizer hoje, em criatividade. O que signifique tudo isso, o bom senso popular individualizou faz tempo: trata-se somente de compreender uma coisa a mais a respeito do funcionamento do mundo, de elaborar um pensamento diferente, de inventar uma palavra nova, de produzir uma imagem original. A imagem é o que se forma em nossa mente quando o nosso olho entra em contato com o mundo do visível. Neste sentido, todos somos produtores de imagens, isto é, somos dotados de imaginação. Somente alguns entre nós, porém, materializam estas imagens, dando-lhes forma através do uso de uma técnica, e nesta categoria, reduzidíssima, está Silvio Pléticos. Quem olhar uma pintura recente dele, mesmo na simplicidade do tema, (peixes, pescadores, naturezas mortas) não pode deixar de captar a complexidade alusiva das imagens, como acontece em certa poesia contemporânea, aonde a palavra se carrega de infinitas facetas de significado, não tanto por aquilo que é, lexicamente falando, mas por aquilo que se torna no contexto em que está inserida. A pintura de Silvio Pléticos sugere logo a atividade indagadora da razão, que a nível visível, se torna geometria, porém, longe de impor o seu metro útil, às vezes restritivo, ela nos coloca em frente às dolorosas e inquietantes metamorfoses da vida no respeito do mistério que é inserido nela. É a síntese do melhor da cultura visual moderna, à qual se pode também aplicar etiquetas historizadoras adequadas, ainda mais convincentes quanto mais simples e menos importante é o “espunto”, isto é, o sujeito de partida. O que se capta na superfície pode ser melhor entendido, como aliás acontece na análise etimológica num discurso verbal, quando se repercorra, junto ao artista, o caminho que o levou à sua maneira atual.
Silvio Pléticos iniciou a sua formação artística na Milão dos anos quarenta e, ali, certamente, em contato com a escola lombarda que, desde os tempos de Giovani de Milano e Leonardo, cultivara o naturalismo e o luminismo, que depois passou ao divisionismo, o artista aprendeu a observar com amor e curiosidade o aspecto fenomênico das coisas na essência e mobilidade das mesmas, como o impressionismo sugeria à cultura moderna. Mas, como Van Gogh e Cézanne ensinaram, o homem não pode contentar-se só com aquilo que aparece, mas quer experimentar e entender a mais íntima essência da realidade. Experimentar quer dizer entrar em contato com a vida, captar e viver as mais escondidas contradições, imergir-se no próprio ritmo da existência, aonde ela com a sua própria força deforma, lacera e em todos os casos, modifica. Tudo isto é expressionismo, e Pléticos viveu as intempéries, antes no plano moral do que no intelectual. A pátria dele, a Istria, era devassada pela guerra e nessa dolorosa circunstância o pintor captou com mais força o pulsar generoso e apaixonado do coração de sua gente e a tradição sagrada de sua terra. Tal expressionismo nativo tornou-se cultura em Zagreb, onde Pléticos teve a oportunidade de aproximar-se à tradição iugoslava, já há tempo orientada em tal sentido. A descoberta foi importante porque deu ao artista a dimensão intelectual de sua atormentada maneira de ser num mundo atormentado. Perto do experimentar, está o entender, isto é, o colocar em ordem tipicamente humana, isto é, racional, tudo o que nos acontece: o caminho, sempre em Zagreb, foi à geometria cezanniana e a procura de conhecimentos dos cubistas. Nos anos cinqüenta, quando Pléticos deixou a Istria, passou pela Itália e depois aportou no Brasil, a sua visão pictórica nascida da sensibilidade impressionista debatia-se na deformação expressionista para estabelecer-se enfim nos ordenados argumentos da razão cubístico-cezanniana. Para o artista que se tivesse satisfeito com o resultado alcançado, a síntese era já invejável na sua totalidade. Pléticos teve, ao invés, a ventura de rumar para aquele vasto mundo, fascinante e misterioso que, para um europeu, é o Brasil. Aqui o ver, o experimentar e o entender parecem sujeitar-se a algo mais secreto e impalpável, que é a própria vida em contato com a dimensão do natural, do exótico, do diferente, do original.
A Silvio Pléticos aconteceu aquilo que aconteceu aos artistas modernos e do qual não poderiam se subtrair, quando quisessem superar os limites do consciente, onde operam a sensação, vontade e a razão para infiltrar-se nas tenebrosas regiões do espírito, onde a nossa humanidade procura as respostas mais secretas, mas nem por isto menos verdadeiras, do próprio ser no mundo.
A linguagem, que de impressionista tornou-se expressionista e depois cubista, cobriu-se do manto fascinante e inquietante do surrealismo. O mais importante é que, desta vez, Pléticos fez o caminho inverso: no acostar-se ao expressionismo e ao cubismo viu confirmadas pela cultura, as próprias experiências existenciais, enquanto que o mistério da vida proposto ainda na Europa, pela poética de Klee e Kandinsky, encontrou realização e resposta no contato com o mundo diferente, como no hábito de vida da sua nova pátria. Nós europeus vivemos, como diria Dante Alighieri num “canteiro que nos torna muito ferozes”, numa dimensão geográfica demasiadamente restrita para significativa história e cultura que tem atrás de si e, é este, certamente, o motivo pelo qual queremos ver, experimentar, compreender com uma determinação quase obsessiva de possuir o mundo. Esta maneira de ver, no bem e no mal, a temos exportado em toda parte, mas, como já aconteceu com a exploração freudiana das intermináveis plagas escondidas da alma, assim paramos interditados em frente à vastidão geográfica, a virgem força que provém de um ambiente, do qual o ritmo existencial é diferente do nosso, porque de pulso menos convulso. Uma experiência artística e cultural como a de Silvio Pléticos é tanto mais preciosa, porque se coloca como mediadora entre os homens, convidando a olhar, experimentar, compreender, mas também a parar para meditar com respeito sobre tudo que não é afim à nossa experiência.
[*] De uma crítica de Sergio Molesi
Da Universidade dos Estudos de Trieste – Itália.
Trieste, 27 de outubro de 1975.
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